O Professor Lenio Streck tem feito uma
verdadeira cruzada contra a simplificação doutrinária do estudo do direito vista
em certos manuais, sendo valioso acompanhar sua coluna no Conjur.
Inspirado em tal constatação, levanto aqui
outro problema que percebi entre os estudantes, destacadamente os
“concurseiros”. Há um abandono da doutrina e a concentração do estudo com base
em EMENTAS dos Tribunais Superiores, podendo-se destacar alguns problemas:
1.
O
conhecimento superficial das ementas e o desconhecimento profundo dos
precedentes;
2.
A
utilização acrítica de ementas absolutamente equivocadas;
3.
O
estudo superficial do direito (que agora abandona os próprios manuais
simplificados, objeto da crítica do professor Lenio, para se apegar a ementas
que desprezam a doutrina).
Vejamos algumas questões concretas:
O STF tem algumas ementas que dizem,
peremptoriamente, que “o princípio da indivisibilidade não se aplica à ação
penal pública”.
Na doutrina aduz-se que incide na ação penal pública o princípio da
indivisibilidade. Neste sentido sustentam desde os tradicionais pensadores do
processo penal até os mais contemporâneos (Tourinho Filho, Fernando da Costa. Processo Penal, vol. 1, Saraiva, 2011,
p. 396; JARDIM, Afrânio Silva. Direito Processual Penal, Estudos e Pareceres.
Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 117; Aury Lopes Jr. Direito Processual Penal, Saraiva, 2012, p. 389; Nicolitt, André. Manual de Processo Penal. Elsevier,
2012, p. 125).
O Código só fala de indivisibilidade na ação penal privada (art. 48 do
CPP), mas tal fato não exclui aplicação na ação penal pública. Isto porque foi
necessário explicitar a incidência do princípio da indivisibilidade na ação
penal privada por não ser esta regida pelo princípio da obrigatoriedade, o que
poderia levar a crer que seria possível escolher contra quem se iria propor a
ação. Na ação penal pública tal fato não se dá, pois havendo indícios de
autoria recaindo sobre várias pessoas o Ministério Público estará obrigado a
oferecer a ação contra todos, por força do princípio da obrigatoriedade, que
contém implicitamente o princípio da indivisibilidade. Em outras palavras, o
princípio da indivisibilidade, na ação penal pública, decorre do princípio da
obrigatoriedade. A rigor, tanto o princípio da indisponibilidade como o da
indivisibilidade são consectários lógicos do princípio da obrigatoriedade.
Neste sentido: JARDIM, Afrânio Silva. Direito Processual Penal, Estudos e
Pareceres. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 117. Nicolitt, André. Manual de Processo Penal. Elsevier,
2012, p. 125. Lopes Jr, Aury. Direito
Processual Penal, Saraiva, 2012, p. 390.
Todavia, os efeitos da indivisibilidade são distintos para a ação penal
pública e para a ação penal privada, visto que, nesta última, não proposta a
ação em relação a um dos autores do fato, ocorre a extinção da punibilidade
(art. 49 CPP). Na ação penal pública, a não propositura da ação em relação a um
dos agentes, não gera a extinção da punibilidade, permitindo o aditamento. A
controvérsia surge relativamente aos que sustentam a existência do instituto do
arquivamento implícito. Para quem o admite, o aditamento necessita de novas
provas (súmula 524 do STF), para quem não o admite (jurisprudência do STF, RHC
93247) o aditamento independe de novas provas. Ocorre que, no meio da discussão
sobre arquivamento implícito e aditamento à denúncia, a jurisprudência do STF,
a fim de afastar a tese sobre arquivamento implícito e admitir nova ação em
relação a outro autor do fato, em redação absolutamente sem técnica, afirma não
se aplicar o princípio da indivisibilidade na ação penal pública (HC RHC 95141;
HC 96700; HC 93524). Na verdade, queria o STF afirmar que os efeitos da
indivisibilidade (extinção da punibilidade, art. 49, CPP), não se aplicam a
ação penal pública, o que coloca a afirmação apenas no campo da discussão sobre
aditamento. Lamentavelmente, estudantes e concurseiros, não raro estão lendo apenas
as ementas descontextualizadas e tirando conclusões equivocadas sobre o tema,
conclusões estas que não se extraem do inteiro teor dos acórdãos do STF, até
porque nos votos o tema sequer é enfrentado de forma séria e profundamente o
tema, pois apenas é tangenciado sem qualquer profusão.
Por tal razão, a jurisprudência do STF faz parecer crer, através de
lastimáveis ementas, que a ação penal pública seria divisível, o que é absurdo.
Imagine se o Ministério Público tivesse um inquérito repleto de
materialidade de um crime e indícios de autoria relativamente a dois
indivíduos. Dizer não existir indivisibilidade da ação penal importa conferir
ao Ministério Público o direito de denunciar um e não denunciar outro, o que
implicaria lesão à própria obrigatoriedade. Isto por si mostra a falta de
técnica do STF nos julgados referidos e a consequente conclusão de que a
indivisibilidade se aplica sim a ação penal pública.
Reincidência e Tipicidade (insignificância)
Outro tema intrigante é a confusão que se faz inserindo a discussão
sobre antecedentes no âmbito da tipicidade, destacadamente em relação à
aplicação do princípio da insignificância.
Note-se
que a insignificância incide sobre a tipicidade. Com efeito, a reincidência não
torna a ação típica, não é norma de adequação típica, em nada interfere sobre a
lesão ao bem jurídico tutelado. Inserir a reincidência na discussão da
incidência ou não da insignificância e na análise da tipicidade é aplicar com
máxima profusão um direito penal do autor, tão rechaçado pela doutrina penal.
Não
obstante, algumas ementas do STF se manifestam neste sentido e tal posição é
reproduzida acriticamente por estudantes e concurseiros, que abandonam a
doutrina pelo estudo fácil de enunciados jurisprudenciais. Vale transcrever
(STF HC 114548): A existência de registros criminais
pretéritos contra o paciente obsta o reconhecimento do princípio da
insignificância, consoante jurisprudência consolidada da Primeira Turma desta
Suprema Corte (v.g.: HC 109.739/SP, rel. Min. Cármen Lúcia, DJe 14.02.2012; HC
110.951, rel. Min. Dias Toffoli, DJe 27.02.2012; HC 108.696 rel. Min. Dias
Toffoli, Dje 20.10.2011; e HC 107.674, rel. Min. Cármen Lúcia, DJe 14.9.2011)
Para
finalizar, recordo-me de quando estudava para concurso e que para entender
tentativa estudava o livro do professor Zaffaroni, concurso de agente, Nilo
Batista e crimes omissivos, Juarez Tavares. Agora, não raro, a leitura que estudantes
fazem sobre o tema tentativa se reduz à teoria da Amotio, repetidas vezes encontrada e adotada na jurisprudência dos
tribunais superiores que praticamente estão acabando com as possibilidades de
furto e roubo na forma tentada. Para ilustrar, afirma o STF no HC 92450: EMENTA:
HABEAS CORPUS. PENAL. PROCESSUAL PENAL. ROUBO FRUSTRADO. CONSUMAÇÃO
INDEPENDENTEMENTE DA POSSE MANSA E PACÍFICA DA COISA. HABEAS CORPUS DENEGADO. I
- A jurisprudência desta Corte tem entendido que a consumação do roubo ocorre
no momento da subtração, com a inversão res furtiva, independentemente,
portanto, da posse pacífica e desvigiada da coisa pelo agente. II - Habeas
Corpus denegado.
O fato é que tudo está ficando tão superficial e
acrítico que não se percebe mais como a autoridade do argumento está
substituindo a racionalidade do argumento.
1/3 da missa, dá um tratado.
ResponderExcluirOs ''concurseiros'' estudam para serem aprovados,alcançando a tão sonhada estabilidade(em sentido lato), e não para obterem conhecimento. Uma vez empossados, querem fazer o básico, o burocrático, e gozarem de uma feliz respeitabilidade burguesa, onde uma vida extraordinária está diretamente ligada a capacidade de consumo. É uma ode à mediocridade. O alerta do Professor Dr. André Nicolitt está dado. Tomara que ecoe por todos os cantos.
ResponderExcluirMas isto se dá em razão da metodologia de avaliação adotada pelas bancas de concursos. Para os concursos mais importantes a banca CESPE, por exemplo, somente cobra o conhecimento da legislação, dos informativos do STF e do STJ e agora, mais recentemente, o conhecimento das notícias jurídicas publicadas nos sites destes Tribunais, até em prova oral.
ResponderExcluirÓtimo texto! Infelizmente este é mais um mal que as bancas de concurso têm feito a este país. Seremos o único no mundo que virou precedentalista (e muito mal!) por causa do Cespe. Precisamos de uma lei geral de concursos já, e precisamos que o Cespe leia os acórdãos, e não somente as ementas dos julgados que utiliza...
ResponderExcluirProfessor o seu email ainda é o mesmo: andreln@tjrj.jus.br ?
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirProfessor, as suas conjecturas sobre o Direito não me preocupam, talvez até tenham lastro de veracidade em suas premissas, o que me preocupa, na verdade, é o senhor aplicar essas suas teorias MINORITÁRIAS em provas de concurso, como ocorreu na Prova para Delegado Pará, banca FUNCAB, isso é pura falta de respeito com quem estuda para concurso e segue um posicionamento MAJORITÁRIO. Deixe seus questionamentos jurídicos, inovadores e MINORITÁRIOS para discutir nos seus livros, nos seus seminários, enfim. PARE DE PREJUDICAR PESSOAS QUE ESTUDAM DE VERDADE. UMA PROVA OBJETIVA DEVE possuir RESPOSTAS OBJETIVAS, conforme o posicionamento MAJORITÁRIO e não conforme o seu LIVRE ALVEDRIO.
ResponderExcluirprova disto é esta questão abaixo ELABORADA COM BASE EM UM DE SEUS JULGADOS:
Um indivíduo alcoolizado dirigindo veículo, em via pública, causa lesões corporais leves em alguém,e após foge. O MP representa pela preventiva por não se poder determinar se o agente agiu com dolo eventual ou se houve culpa.
Nesse caso, como uma de suas justificativas para essa decisão, o senhor disse que não caberia a preventiva pois, ainda que se considerasse dolo eventual na conduta do agente, o somatório das penas máximas do 306 do CTB e do 129 do CP não ultrapassaria 4 anos, requisito de cabimento previsto no art. 313,I, do CPP.
Ocorre, nobre professor, que se percebe COM MUITA NITIDEZ que É PERFEITAMENTE CABÍVEL a prisão preventiva nessa modalidade, visto que o crime do Art. 306 da Lei 9.503/97 tem pena máxima igual a 3 anos e o Art. 129, caput, c/c §7º, do CP (lesão corporal leve C/C a fuga ou omissão do agente) tem pena máxima de 1 ano e 4 meses.
No seu pronunciamento quanto ao caso, o senhor olvidou que o investigado fugiu e não prestou socorro à vítima, e que o PARÁGRAFO 7º DO Art. 129 do CPB, diz que nesse caso a pena será majorada de 1/3, portanto a pena máxima pela lesão corporal majorada pela fuga para evitar a prisão em flagrante ou por não prestar socorro à vítima será de 1 ano e 4 meses que somados aos 3 anos do art. 306, perfaz uma pena de 4 anos e 4 meses, estando presente de forma clara o quantum exigido pelo Art. 313, I, do CPP, para a decretação da prisão preventiva, a saber, pena privativa de liberdade superior a 4 anos.
Tanto na sua decisão, como na questão da Prova de Delegado do Pará o senhor se equivocou e acabou prejudicando quem estuda de Verdade. Lamentável e frustante!
Essa foi apenas uma das 5 questões EQUIVOCADAS QUE VOSSA EXCELÊNCIA FEZ NA PROVA PARA DELEGADO DO PARÁ.